sexta-feira, 10 de março de 2017

Este texto que estou postando é da autoria de Clarice Lispector Voltado para a literatura infantil. òtimo para ser trabalhado nos 5º anos e 6º anos. Narrativa (Nele dá pora se trabalhar sobre personagens, foco narrativo e espaço ) Texto bem escrito.


 Lisete
(Clarice Lispector)

(...)
Imaginem vocês que tinha saído para fazer compras e quando voltei e entrei em casa senti que havia alguma coisa esquisita acontecendo. Todas as pessoas estavam no terraço dos fundos e fui olhar o que era que tinha ali.
Vocês acreditem que eu não esperava jamais o que encontrei: um macaco. Na verdade era um mico tão grande e forte como se fosse um filhote de gorila. Ele estava muito agitado e nervoso porque ainda não conhecia bem a casa. De pura agitação subia de repente pelas roupas estendidas na corda, sujando todas as roupas lavadas. De lá de cima dava gritos que nem marinheiro dando ordens num navio. E jogava cascas de banana mesmo que caíssem em cima de nós.
Bom, esse mico enorme passou a morar conosco. Sempre que eu ia para a área de serviço ele ficava tão alegre que pulava de um canto para outro, sujando tudo. Vocês sabem muito bem que macaco é o bicho que mais se parece com as pessoas. Esse macaco até parecia ter vida humana. Parecia com um homem maluco. Como ele fazia uma bagunça horrível na casa, resolvi dá-lo às crianças do morro que adoram micos. Em casa todo mundo ficou triste e zangado comigo.
Passou-se mais de um ano. Uma tarde eu estava andando pelas ruas para comprar presentes de Natal. As ruas estavam muito cheias de pessoas comprando presentes. No meio daquela gente toda, vi um agrupamento, fui olhar: era um homem vendendo vários micos, todos vestidos de gente e muito engraçados. Pensei que todos de casa iam ficar adorando o presente de Natal, se fosse um miquinho. Escolhi uma miquinha muito suave e linda, que era muito pequena. Estava vestida com saia vermelha, e usava brincos e colares baianos. Era muito delicada conosco, e dormia o tempo todo.
Foi batizada com o nome de Lisete. Lisete às vezes parecia sorrir pedindo desculpas por dormir tanto. Comer, quase não comia, e ficava parada num cantinho só dela.
No quinto dia comecei a desconfiar que Lisete não estava bem de saúde. Pois não era normal o jeito quieto e calado dela.
No sexto dia quase dei um grito quando adivinhei: "Lisete está morrendo! Vamos levá-la a um veterinário!"
Veterinário é o médico que só cuida de bichos.
Ficamos muito assustados porque já amávamos Lisete e sua carinha de mulher. Ah, meu Deus, como nós gostávamos de Lisete! e como nós queríamos que ela não morresse! Ela já fazia parte de nossa família. Enrolei Lisete num guardanapo e fomos de táxi correndo para um hospital de bichos. Lá deram-lhe imediatamente uma injeção para ela não morrer logo. A injeção foi tão boa que até parecia que ela estava curada para sempre, porque de repente ficou tão alegre que pulava de um canto para outro, dava guinchos de felicidade, fazia caretinhas de macaco mesmo, estava doida para agradar a gente. Descobrimos, então, que ela nos amava muito e que não demonstrava antes porque estava tão doente e que não tinha força.
Mas, quando passou o efeito da injeção, ela, de repente, parou de novo e ficou toda quieta e triste na minha mão. O médico então disse uma coisa horrível: Lisete ia morrer.
Aí compreendemos que Lisete já estava muito doente quando eu a comprei. O médico disse que não se compram macacos na rua porque às vezes estão muito doentes. Nós perguntamos muito nervosos:
- E agora? que é que o senhor vai fazer?
Ele respondeu assim:
- Vou tentar salvar a vida de Lisete, mas ela tem que passar a noite no hospital.
Voltamos para casa com o guardanapo vazio e o coração vazio também. Antes de dormir, eu pedi a Deuspara salvar Lisete.
No dia seguinte o veterinário telefonou avisando que Lisete tinha morrido durante a noite. Compreendi então que Deus queria levá-Ia. Fiquei com os olhos cheios de lágrimas e não tinha coragem de dar esta notícia ao pessoal de casa. Afinal avisei, e todos ficaram muito, muito tristes.
De pura saudade, um de meus filhos perguntou "Você acha que ela morreu de brincos e colar?"
Eu disse que tinha certeza que sim, e que, mesmo morta, ela continuaria linda.
Também de pura saudade, o outro filho olhou para mim e disse com muito carinho:
- "Você sabe, mamãe, que você se parece muito com Lisete?"
Se vocês pensam que eu me ofendi porque me parecia com Lisete, estão enganados. Primeiro, porque a gente se parece mesmo com um macaquinho; segundo porque Lisete era cheia de graça e muito bonita.
- Obrigada, meu filho - foi isso que eu disse a ele e dei-lhe um beijo no rosto.
Um dia desses vou comprar um miquinho com saúde. Mas esquecer Lisete? Nunca.

Bibliografia
Este texto é um fragmento retirado do conto : A Mulher que Matou os Peixes,do livro a Vida Íntima de laura e outros contos.
LISPECTOR,Clarice.Avida Intima de Laura e outros contos Rio de Janeiro-RJ JPA, 2011p.31,32,33,34,35.


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