Lisete
(Clarice
Lispector)
(...)
Imaginem vocês que
tinha saído para fazer compras e quando voltei e entrei em casa senti que havia
alguma coisa esquisita acontecendo. Todas as pessoas estavam no terraço dos
fundos e fui olhar o que era que tinha ali.
Vocês acreditem que eu
não esperava jamais o que encontrei: um macaco. Na verdade era um mico tão
grande e forte como se fosse um filhote de gorila. Ele estava muito agitado e
nervoso porque ainda não conhecia bem a casa. De pura agitação subia de repente
pelas roupas estendidas na corda, sujando todas as roupas lavadas. De lá de
cima dava gritos que nem marinheiro dando ordens num navio. E jogava cascas de
banana mesmo que caíssem em cima de nós.
Bom, esse mico enorme
passou a morar conosco. Sempre que eu ia para a área de serviço ele ficava tão
alegre que pulava de um canto para outro, sujando tudo. Vocês sabem muito bem
que macaco é o bicho que mais se parece com as pessoas. Esse macaco até parecia
ter vida humana. Parecia com um homem maluco. Como ele fazia uma bagunça
horrível na casa, resolvi dá-lo às crianças do morro que adoram micos. Em casa todo
mundo ficou triste e zangado comigo.
Passou-se mais de um
ano. Uma tarde eu estava andando pelas ruas para comprar presentes de Natal. As
ruas estavam muito cheias de pessoas comprando presentes. No meio daquela gente
toda, vi um agrupamento, fui olhar: era um homem vendendo vários micos, todos
vestidos de gente e muito engraçados. Pensei que todos de casa iam ficar
adorando o presente de Natal, se fosse um miquinho. Escolhi uma miquinha muito suave
e linda, que era muito pequena. Estava vestida com saia vermelha, e usava
brincos e colares baianos. Era muito delicada conosco, e dormia o tempo todo.
Foi batizada com o nome
de Lisete. Lisete às vezes parecia sorrir pedindo desculpas por dormir tanto. Comer,
quase não comia, e ficava parada num cantinho só dela.
No quinto dia comecei a
desconfiar que Lisete não estava bem de saúde. Pois não era normal o jeito
quieto e calado dela.
No sexto dia quase dei
um grito quando adivinhei: "Lisete está morrendo! Vamos levá-la a um
veterinário!"
Veterinário é o médico
que só cuida de bichos.
Ficamos muito assustados
porque já amávamos Lisete e sua carinha de mulher. Ah, meu Deus, como nós gostávamos
de Lisete! e como nós queríamos que ela não morresse! Ela já fazia parte de
nossa família. Enrolei Lisete num guardanapo e fomos de táxi correndo para um
hospital de bichos. Lá deram-lhe imediatamente uma injeção para ela não morrer
logo. A injeção foi tão boa que até parecia que ela estava curada para sempre,
porque de repente ficou tão alegre que pulava de um canto para outro, dava
guinchos de felicidade, fazia caretinhas de macaco mesmo, estava doida para
agradar a gente. Descobrimos, então, que ela nos amava muito e que não
demonstrava antes porque estava tão doente e que não tinha força.
Mas, quando passou o efeito
da injeção, ela, de repente, parou de novo e ficou toda quieta e triste na minha
mão. O médico então disse uma coisa horrível: Lisete ia morrer.
Aí compreendemos que
Lisete já estava muito doente quando eu a comprei. O médico disse que não se compram
macacos na rua porque às vezes estão muito doentes. Nós perguntamos muito
nervosos:
- E agora? que é que o
senhor vai fazer?
Ele respondeu assim:
- Vou tentar salvar a vida
de Lisete, mas ela tem que passar a noite no hospital.
Voltamos para casa com
o guardanapo vazio e o coração vazio também. Antes de dormir, eu pedi a
Deuspara salvar Lisete.
No dia seguinte o veterinário
telefonou avisando que Lisete tinha morrido durante a noite. Compreendi então
que Deus queria levá-Ia. Fiquei com os olhos cheios de lágrimas e não tinha
coragem de dar esta notícia ao pessoal de casa. Afinal avisei, e todos ficaram
muito, muito tristes.
De pura saudade, um de
meus filhos perguntou "Você acha que ela morreu de brincos e colar?"
Eu disse que tinha
certeza que sim, e que, mesmo morta, ela continuaria linda.
Também de pura saudade,
o outro filho olhou para mim e disse com muito carinho:
- "Você sabe,
mamãe, que você se parece muito com Lisete?"
Se vocês pensam que eu
me ofendi porque me parecia com Lisete, estão enganados. Primeiro, porque a gente
se parece mesmo com um macaquinho; segundo porque Lisete era cheia de graça e
muito bonita.
- Obrigada, meu filho -
foi isso que eu disse a ele e dei-lhe um beijo no rosto.
Um dia desses vou comprar um miquinho com saúde. Mas
esquecer Lisete? Nunca.
Bibliografia
Este texto é um fragmento retirado do conto : A
Mulher que Matou os Peixes,do livro a Vida Íntima de laura e outros contos.
LISPECTOR,Clarice.Avida Intima de Laura e outros
contos Rio de Janeiro-RJ JPA, 2011p.31,32,33,34,35.